Mesas de debates discutem a ação dos TCs diante dos desafios ambientais Notícias

19/08/2025 15:00

O impacto das mudanças climáticas sobre a sociedade e o papel que os Tribunais de Contas podem exercer na governança ambiental e na fiscalização de políticas públicas foram temas centrais do seminário “Mudanças Climáticas e o Papel dos Tribunais de Contas”, realizado pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) e pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), com apoio da Atricon e do Instituto Rui Barbosa (IRB). O encontro reuniu cientistas, professores, juristas e conselheiros de contas para discutir os riscos do aquecimento global e os caminhos para que as instituições de controle externo atuem de forma mais estratégica diante da crise ambiental.

A primeira palestra da Mesa 1 do Seminário foi ministrada pelo biólogo Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biologia da USP e do IEA-USP, que apresentou o tema “Olhando o problema das mudanças climáticas a partir das cidades”. Em sua fala, o pesquisador esclareceu a diferença entre tempo e clima, destacando que o segundo se altera em ciclos mais longos. A partir dessa explicação, trouxe exemplos de fenômenos como El Niño e La Niña, que afetam a temperatura das águas do Pacífico e repercutem globalmente no regime de chuvas, na circulação atmosférica e na agricultura.

Buckeridge contextualizou a discussão ao lembrar que hoje quase 90% da população mundial vive em áreas urbanas, o que coloca as cidades no centro das decisões sobre o uso de recursos e a formulação de políticas públicas. Ele ressaltou que a crise climática está diretamente ligada ao aumento do consumo de petróleo como fonte de energia no século XX, mas ponderou que, nas últimas décadas, esse quadro vem se alterando. “Atualmente, o petróleo representa 30% da matriz energética global, e a expectativa é que em 2050 esse número caia para 12%”, observou.

O professor alertou que o planeta já registra um aquecimento médio de 1,5°C, marca que, segundo os cálculos científicos, só seria alcançada em 2050. Para ele, esse aumento acelerado decorre principalmente da ação humana, mas também deve ser analisado em conjunto com outros fatores naturais. Como soluções, defendeu medidas que vão desde a ampliação de áreas verdes e o uso de energias renováveis até mudanças tecnológicas na construção civil, novas técnicas agrícolas e ações de sustentabilidade baseadas na natureza e na geoengenharia.

O climatologista Carlos Nobre, um dos mais respeitados especialistas do mundo em aquecimento global, participou remotamente do seminário com a palestra “Emergências climáticas – desafios aos Tribunais de Contas”. Nobre destacou que a atual emergência climática é resultado direto da emissão de gases de efeito estufa, sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, responsável por 75% das emissões globais. Ele chamou a atenção para o fato de que 2023 e 2024 superaram o limite de 1,5°C de aquecimento médio global, algo que nem mesmo os cientistas haviam previsto, e lembrou que, nos últimos anos, o Brasil bateu recordes de ondas de calor, secas extremas e chuvas intensas, fenômenos potencializados pelo excesso de energia acumulada na atmosfera.
O pesquisador lembrou que os países se comprometeram, nas conferências do clima de Paris (2015) e Glasgow (2021), a conter o aquecimento global e reduzir as emissões em 43% até 2030 e zerá-las até 2050. No entanto, avaliou que esses compromissos estão ameaçados pelo ritmo atual das emissões. Ele chamou atenção para os chamados “pontos de não retorno”, que podem levar a consequências irreversíveis: a destruição de recifes de corais, a liberação de bilhões de toneladas de metano com o derretimento das áreas congeladas e, no caso do Brasil, o colapso da Amazônia, que liberaria mais de 250 bilhões de toneladas de CO2 e provocaria alterações drásticas nos regimes de chuva em biomas como Cerrado, Pantanal e Caatinga.

Apesar do cenário preocupante, Nobre defendeu que o Brasil pode se tornar exemplo global ao zerar seu saldo de emissões até 2040, desde que invista no combate ao desmatamento e em projetos de restauração florestal. Ele reforçou a importância da COP 30, marcada para novembro em Belém (PA), que, em sua visão, precisa ser a mais importante de todas as conferências climáticas já realizadas.

O professor João Maurício Gama Boaventura, da Codage-USP, trouxe a discussão para o campo do saneamento básico, apontando-o como um dos maiores desafios na relação entre emergências climáticas e fiscalização de políticas públicas. Ele explicou como o TCE-SP acompanha a implementação do marco regulatório do setor, fiscalizando a balneabilidade de rios e praias, e detalhou a atuação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Boaventura ressaltou que, embora os Tribunais de Contas atuem com base nos municípios, é essencial enxergar o sistema como um todo. “O acompanhamento individual de cada ente pode comprometer a compreensão global da política”, advertiu.

O advogado e ambientalista Fábio Feldmann, deputado constituinte e referência histórica na defesa do meio ambiente, destacou o tema “Controle ambiental realizado pelos Tribunais de Contas”. Para ele, a atuação dessas Cortes pode ser determinante para a efetividade das políticas ambientais no país. “Se nós formos capazes de engajar objetivamente os Tribunais de Contas na governança ambiental e climática, nós podemos dar uma virada na implementação de políticas públicas no Brasil”, afirmou.

Feldmann criticou o enfraquecimento da Polícia Militar Ambiental de São Paulo, que, segundo ele, perdeu parte de seu contingente nos últimos anos, e apontou novos desafios globais, como a poluição do ar e a ameaça dos plásticos. Ele lamentou o insucesso recente das negociações para a criação de um tratado mundial sobre plásticos, barrado pela pressão da indústria petroquímica. Ao mesmo tempo, elogiou a criação da Sala do Clima no TCMSP, iniciativa voltada ao monitoramento e análise de processos ligados à sustentabilidade, e defendeu a qualificação dos servidores públicos para lidar com a complexidade do tema. “A Constituição de 1988 considera o meio ambiente patrimônio público, logo autoriza os Tribunais de Contas a trabalharem na defesa desse patrimônio para as presentes e futuras gerações”, reforçou.

Encerrando a Mesa 1, o conselheiro Júlio Pinheiro, do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), tratou da competência dos Tribunais de Contas diante da proteção ambiental. Ele recordou que o artigo 225 da Constituição garante a todos o direito a um meio ambiente equilibrado e defendeu que as Cortes assumam responsabilidade direta sobre o tema, sob risco de omissão. Pinheiro apresentou práticas do TCE-AM, como o acompanhamento por amostragem das licenças ambientais e a verificação de sua legalidade, destacando que a atuação preventiva é essencial. Ele também citou casos de problemas ambientais enfrentados no Amazonas e saudou a criação da Sala do Clima em São Paulo como sinal de mudança de postura.

A Mesa 2 trouxe a perspectiva econômica para o debate, com a participação dos professores Ariaster Chimeli e Carlos Antonio Luque (FEA-USP), do secretário municipal da Fazenda, Luis Felipe Vidal Arellano, e do secretário executivo de Planejamento e Eficiência, Clodoaldo Pelizzoni, sob a moderação de Gilberto Natalini, ex-vereador e ex-secretário do Verde e Meio Ambiente de São Paulo. Foram discutidos temas como mudanças climáticas em ambientes urbanos e regionais, orçamentos públicos voltados ao meio ambiente, sustentabilidade no financiamento de políticas por meio de operações de crédito e a construção de um orçamento climático.

Como resultado prático do seminário, será elaborado um tutorial direcionado a técnicos do TCMSP, de outros Tribunais de Contas e da Prefeitura de São Paulo, com orientações para reforçar a sustentabilidade sob a ótica da justiça climática, fortalecendo a atuação institucional na proteção ambiental e no enfrentamento das mudanças climáticas.

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